Eu percebo que muitas pessoas que eu vejo na rua estão aprisionadas em pequenos prismas de vidro, cuja luz refletida assume a forma da individualidade. A parte intrigante desse complexo advém do fato que nunca imaginamos que nós os construímos em volta da gente, ao passo que também não sabemos de onde eles vieram.

Seja qual for a origem ou razão, eles são transparentes para nós e para aqueles que ainda estão livres, deixando-nos expostos uns aos outros. Extremos expostos. Não que eu ache que há humanidade em ver um ao outro, já que somos imagens que se movem como televisões no mudo, incapazes de absorver o ruído que nos cerca.

A massa, digo, todas as pessoas livres não conseguem olhar um prismado nem por um momento, mesmo que coloquem suas mãos pressionadas no vidro, ainda mais gelado que o coração dessas pessoas. Um prismado costuma odiar a massa, afinal o prismado tem todo esse amor que ele não pode compartilhar, porque o prismado simplesmente não consegue compartilhar.

E quanto a mim? As vezes eu acho que seria interessante me juntar a massa cinzenta com uma amizade esplendorosa estampada no rosto mas acho que seria uma utopia de conexões, ainda mais distorcidas pelas concavidades do vidro em que me encontro.

Eu admito que já tentei quebrar essa casca de solidão mental em forma de prisma com meus punhos metafóricos, mas mesmo com eles já sangrando percebi que o vidro não se quebraria, não antes que eu me quebrasse.

Eu desejei muitas vezes que esse maldito divisor que nos envelopou jamais tivesse envelopado as pessoas… e eu. Assim, ninguém seria aprisionado na solidão para ser observado. Então, nós poderíamos nos perder em uma multidão em movimento, sem pensamentos e sem rosto. Um conforto inócuo que ateste o óbito do pensamento.

Mas, parando pra pensar, chego na conclusão de que precisamos desses prismas. Esse individualismo quase esquizofrênico pode ter um motivo além das fronteiras desse vidro, quem sabe seja uma barricada para nos manter únicos, para nos manter quem somos…

Para nos manter vivos.

Programador, sonhando em ser escritor e falhando em ser humorista.